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Ainda que saúde intestinal seja um tópico cada vez mais importante e popular, ainda falta uma clara definição científica (Kogut & Arsenault, 2016). Uma definição é necessária para poder avaliar os efeitos de qualquer intervenção nutricional sobre o desempenho e a saúde animal.
Propomos a definição de funcionalidade gastrointestinal como “um estado estável em que o microbioma e o trato intestinal existem em equilíbrio simbiótico e onde o bem-estar e o desempenho do animal não são restringidos pela disfunção intestinal” (Celi et al., 2017). Esta definição combina os principais componentes da funcionalidade gastrointestinal, ou seja, a dieta estrutura efetiva e função da barreira gastrointestinal e microbiota normal e estável, com digestão e absorção efetivas da ração e status imunológico efetivo (Figura 1). Todos estes componentes desempenham um papel crítico na fisiologia gastrointestinal, saúde animal, bem-estar e desempenho. Para entender claramente a saúde intestinal é necessário caracterizar as interações entre estes componentes.
Como os nutrientes ingeridos podem desempenhar um papel significativo no desenvolvimento e funcionalidade do TGI. A composição da dieta (ingredientes, nutrientes e aditivos) podem influenciar o desenvolvimento e a função do sistema digestivo, incluindo o sistema imune e a microbiota (Conway, 1994).
Um grande corpo de evidências destacou o potencial do uso de suplementos para ração, alimentos funcionais e ingredientes para sustentar os desempenhos da produção animal, mantendo a saúde e o bem-estar (Van Loo, 2007; Pluske, 2013; Starkey, 2014; Hoste et al., 2015). Além disso, o uso de ingredientes funcionais parece dar um suporte ao sistema imunológico e modular o equilíbrio redox e a resposta inflamatória. A otimização dietas e da nutrição para os animais de produção também deve considerar os diversos aspectos da funcionalidade gastrointestinal que contribui para melhorar a saúde animal e a reduzir o uso de antibióticos (Allen et al., 2013; Cheng et al., 2014). Assim, as propriedades funcionais dos ingredientes e aditivos de ração relacionados à saúde gastrointestinal precisam desempenhar um papel mais central na formulação das deitas.
Uma melhor funcionalidade gastrointestinal é muitas vezes acompanhada por uma melhora na digestão e na absorção. No entanto, pode-se questionar se esta é uma causa ou uma consequência direta da melhora observada na funcionalidade do TGI (Khadem et al., 2016). É preciso considerar também que a inflamação intestinal impacta negativamente a função do TGI. De fato, uma proliferação de patógenos no TGI pode levar a um aumento nas respostas defensivas, aumento que é acompanhado por uma redução na eficiência digestiva e redução da absorção tanto de macro como de micronutrientes. A má absorção é mais evidente para os micronutrientes, especialmente ferro e zinco (Davin et al., 2012, 2013), enquanto que a gordura, entre os macronutrientes, é a que sofre o maior impacto (Koutsos et al., 2003, 2006). A má absorção pode ser atribuída ao aumento na taxa de passagem da digesta ao longo do TGI, reduzindo desta forma o tempo disponível para que os nutrientes sejam digeridos e absorvidos. A má absorção também pode ser consequência da perda de integridade e de função da barreira do TGI, e de uma resposta direta do sistema imune, coordenada contra o patógeno (Klasing, 2007).
A microbiota intestinal contribui para diversas funções fisiológicas (Salzman et al., 2007; Lee & Hase, 2014; Marchesi et al., 2016; Round & Mazmanian, 2009) como as funções de proteção, estrutural e metabólica. A microbiota intestinal contribui para a regulação da homeostase do hospedeiro por sua contribuição com a digestão e absorção ideais, regulação do metabolismo energético, prevenção de infecções na mucosa e modulação do sistema imunológico.
Como consequência, a manipulação da dieta interferindo sobre a composição da microbiota do TGI representa uma ferramenta atraente para prevenir problemas intestinais e para promover o desempenho animal. As intervenções nutricionais devem ser planejadas para promover condições no TGI que criem e mantenham um equilíbrio entre o hospedeiro e a microbiota TGI, e para prevenir distúrbios na estrutura e função do TGI.
Quais são os fatores que influenciam o desenvolvimento da microbiota do TGI em animais de produção? Qual é o papel da microbiota do TGI na relação entre nutrição animal, fisiologia do TGI, saúde e bem-estar dos animais? Ainda que estas questões não sejam fáceis de responder em um curto espaço de tempo, para lidar com elas como um todo é preciso adotar uma abordagem que tenha como base um sistema multidisciplinar. Será imperativo lidar com estas questões para proporcionar alguma ajuda muito necessária no desenvolvimento de alternativas aos AGPs. Esta abordagem será crucial para desenvolver as estratégias de intervenção possíveis com produtos novos e os já existentes.
A barreira gastrointestinal é composta por uma cama de muco sobreposta a uma monocamada de células epiteliais intestinais e um conjunto subjacente de células compostas por células mesenquimais, células dendríticas, linfócitos e macrófagos constituindo o tecido linfoide associado ao intestino (GALT). Neste sistema, as células epiteliais intestinais (CEI) desempenham um papel central, uma vez que secretam e regulam a composição da cama de muco e também interagem com as células subjacentes.
No hospedeiro, o epitélio mucoso do TGI e o GALT associados são os primeiros locais expostos às variações na ingestão de nutrientes. Ainda que se conheça relativamente pouco sobre como os nutrientes podem alterar o desenvolvimento e a função do GALT, foi observado que a dieta pode modular o desenvolvimento do GALT porque a fórmula à base de caseína para leitões recém-nascidos pode comprometer o desenvolvimento de GALT e do sistema imunológico sistêmico.
A ingestão de nutrientes e a colonização pela microbiota promovem o desenvolvimento do GALT, que ocorre em paralelo ao desenvolvimento do TGI, resultando em um sistema imunológico funcional. O GALT promove a funcionalidade gastrointestinal por diferenciar antígenos não patogênicos e patogênicos e as ameaças ao hospedeiro veiculadas pela ração. Esta orientação homeostática é continuamente desafiada por eventos fisiológicos e desempenhos produtivos acelerados, que podem resultar em uma desregulação do sistema imunológico no TGI.
Quando os animais são desafiados durante condições ambientais adversas (estresse térmico), má higiene, altas taxas de lotação ou estágios fisiológicos de sua vida produtiva (gestação e lactação), é crítico assegurar que o suprimento nutricional não apenas atenda suas necessidades, mas também maximize a função GALT e mantenha o bem-estar animal ideal. Os ingredientes funcionais podem levantar os desempenhos produtivos ao mesmo tempo em que mantêm a saúde e o bem-estar. A ótima funcionalidade gastrointestinal é crucial para a saúde animal, seus desempenhos e bem-estar e o meio ambiente porque melhora sua eficiência alimentar, reduz o uso de antibióticos e sustenta a segurança de alimentos. Por isso, a otimização da funcionalidade gastrointestinal irá promover a produção animal sustentável.
Ainda que esteja claro que o uso de uma dieta que não proporcione teores adequados dos nutrientes essenciais irá comprometer a imunidade do animal, há algumas questões cruciais que precisam ser abordadas para fazer com que haja avanços em nosso conhecimento sobre a imunomodulação pela dieta. Assim, por exemplo, como nutrientes específicos modulam o desenvolvimento do sistema imunológico mucoso e quais são as janelas críticas para intervenção? Quais são as relações entre a microbiota e o sistema imunológico do hospedeiro? Tem sido proposto que o hospedeiro e a microbiota formam um ‘superorganismo' e que o “sistema imunológico não é um assassino, mas uma força que modela a homeostase no superorganismo” (Eberl, 2010). O estabelecimento e a manutenção da homeostase dependem de muitos fatores e isto apoia ainda mais a nossa definição multidisciplinar de saúde intestinal, que combina fisiologia, endocrinologia, microbiologia, imunologia e nutrição.
Em nossa opinião, uma melhor percepção na avaliação e na progressão de diversas condições do TGI, associada a intervenções nutricionais para otimizar a funcionalidade gastrointestinal, precisa ser considerada como prioridade pela comunidade científica para traduzir este conhecimento em aplicações práticas para cientistas da área de pesquisa animal e os que formulam rações para, em última análise, proporcionar saúde e bem-estar aos animais.
10 October 2018
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